terça-feira, 28 de julho de 2009

O que dá alma ao ser humano

O que dá alma ao ser humano

O livro, companheiro há mais de 2 mil anos, expressa nossa personalidade, hábitos, paixões, gostos e interesses

Fonte: O Estado de S.Paulo, www.mariaignezbarbosa.com

- Receita para a alma. Esta é a frase que se lê na inscrição que bravamente resiste ao tempo, na entrada da biblioteca do Templo de Trajano, em Roma. Não seria portanto sem sentido dizer que uma casa sem livros é uma casa sem alma. E, mais do que qualquer outro ambiente na casa, será a biblioteca - ou o lugar escolhido para os livros - o que melhor vai expressar a personalidade de seus ocupantes. Estarão ali revelados seus gostos, interesses, preferências, hábitos e paixões.

Não importa que estejamos na era digital, que hoje o livro possa ser escutado e que a informação nos chegue pela internet. O fato é que o livro, ou o chamado codex (era assim que se dizia no mundo antigo), que nasceu há 2 mil anos, ou mesmo antes de Cristo, sob a forma de folhas de pergaminho recortadas, escritas por um escriba e costuradas a mão, e que, em 1450, na Alemanha, quando Gutenberg inventou a impressora, passou a ser produzido de forma menos artesanal, não vai sair tão cedo de nossas casas e muito menos de nossas vidas. E como declarou a escritora Frances FitzGerald, "o livro a gente leva para a cama, mas o CD não".

O hábito da leitura silenciosa teria se popularizado no tempo dos romanos. E, de coisa elitista no século 18 - nenhum gentleman que se prezasse dispensava uma biblioteca em casa com livros belamente encadernados - a artefato cultural com variados significados democratizado no século 19 e beneficiado pelos avanços tecnológicos nos 100 anos seguintes, o livro continua entre nós, presente como nunca, sendo editado aos borbotões, acessível como jamais foi e seduzindo cada vez mais gente.

É sem dúvida um dos mais fiéis companheiros do homem. Quantos de nós não o temos como aliado em noites de insônia, em longas viagens de avião, na simples solidão? Mais do que ler e aprender, ele pode nos ligar com o passado, nos fazer viajar por outros mundos, escapar para novos universos, acender luzes internas. Um bom livro pode nos seguir pela casa, até a cozinha, no banheiro, à mesa de jantar.

Há quem diga que os livros nos escolhem. Nicolas Barker, filho de um professor universitário na Inglaterra e que em pequeno gostava de brincar na Cambridge University Press, conta que, sempre que lhe perguntam se coleciona livros, responde: "Não, os livros é que me colecionam". E mesmo que possa não ser a forma mais agradável de leitura, quem não vai adorar ser dono de uma primeira edição de um livro famoso ou predileto?

A paixão pelo livro tem história. Churchill, quando não tinha tempo para ler, se consolava passando neles a mão, sentindo-os na pele. O escritor A.L. Rowe dizia que a biblioteca de Churchill era "eloquente do homem", seu retrato perfeito, e que é possível "lermos" as pessoas através dos livros que elas leem.

Para muita gente, apenas o fato de possuir livros pode transcender o prazer de lê-los. Cheirá-los pode emocionar. E a arte de certas lombadas e encadernações pode encantar o olhar e o ego de seu dono. O filósofo Walter Benjamin acreditava que os livros têm um sentido simbólico que não depende necessariamente de sua utilidade, apesar de que sua utilidade é o que os torna realmente especiais. Num momento de mudança para uma nova casa, quando desembalava a biblioteca, teria comentado: "Há uma tensão dialética entre a ordem e a desordem".

LIVROS BRANCOS

Arrumar os livros numa estante pode ser de fato um drama na vida dos bibliófilos. Se por assunto, se por ordem alfabética, tamanho, cor, encadernação. É tarefa interessante e delicada para muito decorador. David Hicks dizia gostar de projetos que nunca terminam e que uma biblioteca é justamente isso. Está sempre em mutação. Nos anos 30, a decoradora americana Frances Elkins, para um look de efeito, gostava de encher as bibliotecas com livros brancos. Encapava os volumes de seus clientes com pergaminho, mas deixando, obviamente, uma abertura para os títulos.

Descubro que Keith Richards, dos Rolling Stones, é um apaixonado por leitura: "Depois de uma vida com o pé na estrada, a leitura hoje é o que me ancora". Há também quem declare, como o financista americano Victor Niederhoffer, que seria capaz de passar a vida inteira sem se chatear dentro da biblioteca da própria casa. E é conhecida a história do casal Clinton, que, quando foi morar na Casa Branca, logo notou que havia ali poucas estantes e comentou que, se o problema não fosse remediado, jamais se sentiria em casa na nova morada.

Segundo os aficionados, um dos prazeres do colecionador é encontrar um determinado livro na estante de um sebo ou livraria e "libertá-lo" para uma nova vida e utilidade - ou seja trazê-lo para a sua própria estante. Viver para e entre livros pode ser um prazer. Em Washington, lembro de um enorme galpão dedicado aos bibliófilos, onde era possível encontrar desde capas para proteção da dust jacket em todos os tamanhos possíveis, o sabão correto para a limpeza, esparadrapos especiais, removedores de manchas, antissépticos, cordas, folhas, material para encadernação e o que se puder sonhar para melhor preservar nossos livros.

Talvez pouca gente saiba que o fato de muitas editoras francesas, como a Gallimard, por exemplo, ainda publicarem seus livros com o velho modelo de capa branca, onde apenas o título varia, é porque não abandonaram a tradição de tê-las simples, uma vez que antigamente a maioria dos livros com capa mole seria depois encadernada por quem quisesse preservá-los.

A forma como é tratado, disposto ou manuseado, daria ao livro qualidade humana. Ao acumulá-los, o colecionador compulsivo ou leitor apaixonado acabará, mesmo que sem querer, criando com eles bookscapes, ou seja, pequenas ou grandes paisagens em qualquer canto da casa. Poderão surgir empilhados sobre cadeiras ou bancos, em mesinhas perto da poltrona de leitura, ou da cama, aguardando a vez de serem lidos; no interior de lareiras ou sobre suas bancadas, subindo os degraus das escadas junto à parede, em estantes dividindo ambientes, dentro de cestos, no lavabo e na cozinha. Mesmo que bagunçados ou empoeirados, mal não há de nos causar à vista. Serão sempre uma edificante e prazerosa companhia.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Biblioteca Mário de Andrade organiza palestras sobre os livros do vestibular 2010

Biblioteca Mário de Andrade organiza palestras sobre os livros do vestibular 2010

Fonte: http://blog.estadao.com.br/blog/pontoedu/

A Biblioteca Mário de Andrade vai realizar, a partir de 8 de agosto, um ciclo de palestras gratuitas sobre os livros cobrados nos vestibulares deste ano da USP, Unicamp e PUC-SP.

As palestras serão ministradas por professores da graduação da PUC e realizadas sempre aos sábados na sala Jardel Filho do Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000), a partir das 10h30.

Não é necessário se inscrever para assistir as palestras, só é preciso chegar com meia hora de antecedência. A sala tem capacidade para 300 pessoas.

Confira a programação:

Agosto:

8/8 - Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida 15/8 - Dom Casmurro, de Machado de Assis

29/8 - Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente

Setembro:

12/9 - O Cortiço, de Aluizio de Azevedo

19/9 - Iracema, de José de Alencar

26/9 - A Cidade e as Serras, de Eça de Queiróz

Outubro:

17/10 - Vidas Secas, de Graciliano Ramos

24/10 - Antologia Poética, de Vinícius de Morais

31/10 - Capitães da Areia, de Jorge Amado

Mais informações no site da Biblioteca Mário de Andrade ou pelo telefone (11) 3241 3459.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Formado em bibliotecas, escritor paga sua dívida

Formado em bibliotecas, escritor paga sua dívida

Por JENNIFER STEINHAUER, ontem na Folha de São paulo

Quando alguém que está perto de fazer 90 anos já escreveu dezenas de romances, contos e roteiros de filmes famosos e realizou seu objetivo de fazer uma viagem simulada a Marte, o que falta fazer?

"Bo Derek é muito minha amiga, e eu gostaria de passar mais tempo com ela", diz Ray Bradbury sobre a atriz de Hollywood que apareceu em mais de duas dúzias de filmes desde o final da década de 1970.

Uma resposta improvável, mas Bradbury, escritor de ficção-científica, é muito específico em sua excêntrica lista de interesses e em como tenta concretizá-los em sua idade avançada e no estado de relativa imobilidade.

Isto é uma sorte para as Bibliotecas Públicas do Condado de Ventura, nos EUA -porque, entre as paixões de Bradbury, nenhuma é tão intensa quanto seu antigo entusiasmo por salas cheias de livros. Seu romance mais famoso, "Fahrenheit 451", que trata da queima de livros, foi escrito em uma máquina de escrever alugada no porão da Biblioteca da Universidade da Califórnia em Los Angeles; seu romance "Algo Sinistro Vem Por Aí" contém uma cena de biblioteca seminal.

Bradbury fala frequentemente em bibliotecas de toda a Califórnia e, no final de junho, esteve em Ventura para uma palestra beneficente para a Biblioteca H.P. Wright, que, como muitas outras do sistema público estadual, corre o risco de fechar as portas por causa do corte de orçamento.

"As bibliotecas me criaram", disse Bradbury. "Não acredito em colégios e universidades. Acredito em bibliotecas porque a maioria dos estudantes não tem dinheiro. Quando me formei no colégio, durante a Depressão [dos anos 1930], não tínhamos dinheiro. Eu não pude ir à faculdade, então fui à biblioteca três dias por semana durante dez anos."

Os dólares do imposto predial, que fornecem a maior parte do financiamento das bibliotecas no condado de Ventura, caíram precipitadamente, deixando o sistema de bibliotecas com um buraco de aproximadamente US$ 650 mil. Quase a metade dessa quantia é atribuída à Biblioteca H.P. Wright, que atende a aproximadamente 65% dessa cidade costeira a cerca de 80 km a noroeste de Los Angeles. Em janeiro, a Biblioteca Wright soube que, a menos que conseguisse US$ 280 mil, seria fechada.

O grupo que levanta fundos para a entidade tem até março de 2010 para atingir essa meta. A conversa com Bradbury custa US$ 25 por pessoa e inclui uma projeção de "The Wonderful Ice Cream Suit" (O maravilhoso traje de sorvete), filme baseado em seu conto de mesmo nome.

O objetivo financeiro do evento não é uma solução a longo prazo. Isso só aconteceria se os impostos territoriais fossem aumentados ou os eleitores aprovassem um aumento de meio centavo no imposto das vendas locais em novembro, parte do qual iria para as bibliotecas.

Ameaças fiscais às bibliotecas irritam profundamente Bradbury, que passa todo o tempo que pode conversando com crianças em bibliotecas e incentivando-as a ler. A internet? Não o provoque. "A internet é uma grande distração", bradou Bradbury em sua casa em Los Angeles. "É insignificante; não é real", ele continuou. "Está no ar, em algum lugar."

Quando não está angariando dinheiro para bibliotecas, Bradbury ainda escreve durante algumas horas todas as manhãs; lê George Bernard Shaw; recebe visitantes, incluindo repórteres, cineastas, amigos e filhos de amigos; e assiste a filmes em sua TV gigante de tela plana.

Ele ainda pode ser visto regularmente na Biblioteca Pública de Los Angeles, que visitou frequentemente na adolescência. "As crianças me perguntam:

'Como também posso viver para sempre?'", disse. "Eu lhes digo: façam o que vocês amam e amem o que fazem. Essa é a história da minha vida."