sábado, 19 de setembro de 2009

A Biblioteca de Babel, por Jorge Luis Borges


O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito. No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante.
Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer, a poucas léguas do hexágono onde nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável. Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço, Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (Os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus.) Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível".
A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta. Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar alguns axiomas.
O primeiro: A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus. Para perceber a distância que há entre o divino e o humano, basta comparar esses rudes símbolos trêmulos que minha falível mão garatuja na capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas, negríssimas, inimitavelmente simétricas.
O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco(1). Esta comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjetura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros. Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras MCV perversamente repetidas da primeira linha até a última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides. Já se sabe: para uma linha razoável ou uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão... Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é completamente falaz.)
Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível. Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez páginas de inalteráveis MCV não podem corresponder a nenhum idioma, por dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na subseqüente e que o valor de MCV na terceira linha da página 71 não era o que pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjetura foi aceita, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.
Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior(2) deparou com um livro tão confuso como os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: "Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos".
Dessas premissas incontrovertíveis deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (número, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpelações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloqüente solução não existisse: em algum hexágono. O universo estava justificado, o universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança. Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os atos de cada homem do universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação. Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. Outros enlouqueceram... As Vindicaçôes existem (vi duas que se referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginárias), mas os que procuravam não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma pérfida variante da sua, é computável em zero.
Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. E verossímil que esses graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens esgotam os hexágonos... Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário; às vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.
À desmedida esperança, sucedeu, como é natural, uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos. As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fritilo proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.
Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os "tesouros" destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios. Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas (como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma vírgula, Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as conseqüências das depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que esses fanáticos provocaram, Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipo. tentes, ilustrados e mágicos.
Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto.
Muitos peregrinaram à procura d'Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? Alguém propôs um método regressivo: Para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito... Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos. Não me parece inverossímil que em alguma prateleira do universo haja um livro total;(3) rogo aos deuses ignorados que um homem - um só, ainda que seja há mil anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca se justifique.
Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de "a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira". Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e outro A Cãibra de Gesso e outro Axaxaxas mlö. Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa justificativa é verbal e, ex hypothesí, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres dhcmrlchtdj, que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos - e também sua refutação. (Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que a definem têm outro valor. Você, que me lê, tem certeza de entender minha linguagem?)
A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagoriza. Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra. As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter mencionado os suicídios, cada ano mais freqüentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana - a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.
Acabo de escrever infinita. Não interpelei esse adjetivo por costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos podem inconcebivelmente cessar - o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros. Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.(4)
Mar del Plata, 1941.
Notas
1. O manuscrito original não contém algarismos ou maiúsculas. A pontuação foi limitada à vírgula e ao ponto. Esses dois signos, o espaço e as vinte e duas letras do alfabeto são os vinte e cinco símbolos suficientes que enumera o desconhecido (nota do editor).
2. Antes, em cada três hexágonos havia um homem. O suicídio e as enfermidades pulmonares destruíram essa proporção. Lembrança de indizível melancolia: às vezes, viajei muitas noites por corredores e escadas polidas sem encontrar um único bibliotecário.
3. Repito-o: basta que um livro seja possível para que exista. Somente está excluído o impossível. Por exemplo: nenhum livro é também unia escada, ainda que, sem dúvida, haja livros que discutem e neguem e demonstrem essa possibilidade e outros cuja estrutura corresponde à de uma escada.
4. Letizia Álvarez de Toledo observou que a vasta Biblioteca é inútil; a rigor, bastaria um único volume, de formato comum, impresso em corpo nove ou em corpo dez, composto de um número infinito de folhas infinitamente delgadas. (Cavalieri, em princípios do século XVII, disse que todo corpo sólido é superposição de um número infinito de planos.) O manuseio desse vade mecum sedoso não seria cômodo: cada folha aparente se desdobraria em outras análogas; a inconcebível folha central não teria reverso.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Biblioteca

«Um dos mal-entendidos que dominam a noção de biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se à biblioteca porque se quer um livro cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importantes para nós.

A função ideal de uma biblioteca é de ser um pouco como a loja de um alfarrabista, algo onde se podem fazer verdadeiros achados, e esta função só pode ser permitida por meio do livre acesso aos corredores das estantes.

Se a biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo, tentemos transformá-la num universo à medida do homem e, volto a recordar, à medida do homem quer também dizer alegre, com a possibilidade de se tomar um café, com a possibilidade de dois estudantes numa tarde se sentarem num maple e, não digo de se entregarem a um amplexo indecente, mas de consumarem parte do seu flirt na biblioteca, enquanto retiram ou voltam a pôr nas estantes alguns livros de interesse científico, isto é, uma biblioteca onde apeteça ir, e que se vá transformando gradualmente numa grande máquina de tempos livres»

Umberto Eco

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Bonito, gostoso e prático

Bonito, gostoso e prático

Ruy Castro, Folha de São Paulo, hoje

Um dos temas mais momentosos da Bienal do Livro, em cartaz no Riocentro, é se o livro impresso, de papel, corre o risco de desaparecer, fulminado pelas novas tecnologias. Eu próprio, zanzando entre os stands no último domingo, fui perguntado várias vezes sobre isso.

Curiosamente, quem olhasse ao redor diria que a pergunta não fazia sentido e que a indústria do livro nunca esteve tão robusta neste país. Era um domingo de escandaloso azul, com as praias, os passeios e todas as formas de lazer grátis no Rio convidando o povo a estar em qualquer lugar, menos ali, num conjunto de pavilhões em Jacarepaguá, a mais de uma hora de Ipanema, e tendo de comprar ingresso para entrar.

Pois essa pergunta estava sendo feita em meio a montanhas de livros expostos e 125 mil pessoas, número de visitantes que, segundo a Bienal, compareceu no fim de semana. Gente que não pagou para ver malabaristas, engolidores de fogo ou artistas globais, mas romancistas, biógrafos, poetas ou autores de livros para crianças.

Respondi que, como formato, o livro é difícil de ser superado -porque já nasceu perfeito, e não é de hoje. Ele é bonito, gostoso e prático. É também portátil: pode ser levado na mão, na mochila ou na bolsa, e lido no sofá, na cama, no banheiro, na mesa do jantar, no bonde, no ônibus, no jardim, na praia, na banheira, onde você quiser. É também barato: quem não tiver dinheiro para comprar livros novos, encontrará farta escolha nos sebos e até na calçada da rua.

Um livro pode nos alimentar por uma semana, um mês ou o resto da vida. E, ao contrário do CD e do DVD, não precisa de uma máquina para tocar. Basta ser aberto para poder ser lido. Na verdade, o livro só precisa de nós.

Neste momento, mais do que nunca, talvez.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Tropeçando em livros....

Hábito da leitura chega ao Campo Limpo de bicicleta

O agitador cultural Binho criou uma “bicicloteca”, para fazer os cidadãos “tropeçarem em livros”
Fonte: Estado, 06 set. 2009
Parece uma típica banca de livros, montada ao lado de um ponto de ônibus movimentado no Campo Limpo, zona sul da capital paulista. "Aqui, meu senhor, pega esse livrinho, é só levar, vai", oferece Luan de Jesus, o atendente. "Quanto custa?", retruca o senhor, imediatamente se esquivando. Em resposta, apenas um sorriso.
Foi no ponto de ônibus na Avenida Carlos Lacerda, na frente do CEU Campo Limpo, que Robson Padial, o Binho - figura conhecida, criador do Sarau do Binho, frequentado pela vanguarda da cultura periférica paulistana -, começou, humilde, a empreitada de "levar livros aos cantos da cidade". Há duas semanas, lançou o projeto Bicicloteca: No Meio do Caminho Tinha um Livro, no qual oferece, de graça, livros a quem não tem acesso a eles. "O cidadão tem de tropeçar no livro. Assim, não larga mais", disse, orgulhoso da criação.
O nome entrega: trata-se de uma biblioteca sobre rodas, iniciativa pioneira na capital - em duas cestas adaptadas na bicicleta de carga, leva cerca de 400 livros, distribuídos a quem quiser. Basta deixar nome, telefone e compromisso de que o devolverá após o fim da leitura.
Nas proximidades dos dois pontos em que foram instaladas as magrelas, perto do CEU e de uma escola pública do bairro - de 191 mil habitantes e duas bibliotecas municipais -, a novidade faz sucesso. Principalmente para quem precisa. Na casa do menino Ederson Santos, de 11 anos, simplesmente não há livros - apenas um único gibi, presente de um vizinho. "Carrego na mochila, para não perder nunca." Estudante da 5ª série, na semana passada pegou o primeiro Monteiro Lobato. "Que capa bonita!", exclamava o garoto, com olhos arregalados. "Vai ser o primeiro de muitos."
Até aqui, 600 livros foram emprestados, cerca de 40 por dia. O acervo, de 4 mil livros, foi conseguido com doações. "Tive a ideia numa “caminhada literária” até Cananeia. Passávamos de porta em porta, distribuindo livros, então compramos uma bicicleta para carregar", conta Binho. "Aí, deu o estalo."
Além de difundir literatura, as biciclotecas acabam suprindo lacunas. "Procurei na biblioteca da escola um livro sobre cometas, mas não tinha nada. Não imaginava encontrar aqui, antes de pegar o ônibus", disse a estudante Anizia Santos, de 18 anos,com o livro Cometas: da Noite à Ciência nas mãos.
A bicicloteca ficará nos pontos de ônibus da Avenida Carlos Lacerda (nº 678) e da Estrada do Campo Limpo (nº 1.600) por pelo menos seis meses. "O ideal é conseguir apoio para mais bicicletas circularem", disse Binho. "Esse é o sonho, para transformar pela literatura." A conta gotas, está conseguindo: o senhor do início da história, o carpinteiro Antônio Rosa, de 43 anos, que nunca entrou em biblioteca na vida, dessa vez levou o livro Modo de Produção Feudal, de Jaime Pinky - deve ser útil para pesquisa de história, lição de casa no supletivo que cursa.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Adeus não, no máximo um até breve!

Enquanto isso esperamos pelos lançamento de Caim, seu novo livro!

Despedida

Agosto 31, 2009 por José Saramago

Diz o refrão que não há bem que sempre dure nem mal que ature, o que vem assentar como uma luva no trabalho de escrita que acaba aqui e em quem o fez. Algo de bom se encontrará neste textos, e por eles, sem vaidade, me felicito, algo de mal terei feito noutros e por esse defeito me desculpo, mas só por não tê-los feito melhor, que diferentes, com perdão, não poderiam eles ser. Às despedidas sempre conveio que fossem breves. Não é isto uma ária de ópera para lhe meter agora um interminável adio, adio. Adeus, portanto. Até outro dia? Sinceramente, não creio. Comecei outro livro e quero dedicar-lhe todo o meu tempo. Já se verá porquê, se tudo correr bem. Entretanto, terão aí o “Caim”.

P. S – Pensando melhor, não há que ser tão radical. Se alguma vez sentir necessidade de comentar ou opinar sobre algo, virei bater à porta do Caderno, que é o lugar onde mais a gosto poderei expressar-me.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Biblioteca suspende ciclo de palestras sobre livros dos vestibulares

Biblioteca suspende ciclo de palestras sobre livros dos vestibulares

Fonte: blog pontoedu

A Biblioteca Mário de Andrade anunciou nesta sexta-feira, dia 31, a suspensão do ciclo de palestras sobre os livros cobrados nos vestibulares deste ano.

Segundo a assessoria da Biblioteca, o motivo da suspensão é o corte de verbas. "Estamos, até agora, aguardando uma resposta de possíveis colaboradores para subsidiar o ciclo".

O evento seria realizado a partir do dia 8/8, aos sábados, com palestras ministradas por professores da PUC-SP.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O que dá alma ao ser humano

O que dá alma ao ser humano

O livro, companheiro há mais de 2 mil anos, expressa nossa personalidade, hábitos, paixões, gostos e interesses

Fonte: O Estado de S.Paulo, www.mariaignezbarbosa.com

- Receita para a alma. Esta é a frase que se lê na inscrição que bravamente resiste ao tempo, na entrada da biblioteca do Templo de Trajano, em Roma. Não seria portanto sem sentido dizer que uma casa sem livros é uma casa sem alma. E, mais do que qualquer outro ambiente na casa, será a biblioteca - ou o lugar escolhido para os livros - o que melhor vai expressar a personalidade de seus ocupantes. Estarão ali revelados seus gostos, interesses, preferências, hábitos e paixões.

Não importa que estejamos na era digital, que hoje o livro possa ser escutado e que a informação nos chegue pela internet. O fato é que o livro, ou o chamado codex (era assim que se dizia no mundo antigo), que nasceu há 2 mil anos, ou mesmo antes de Cristo, sob a forma de folhas de pergaminho recortadas, escritas por um escriba e costuradas a mão, e que, em 1450, na Alemanha, quando Gutenberg inventou a impressora, passou a ser produzido de forma menos artesanal, não vai sair tão cedo de nossas casas e muito menos de nossas vidas. E como declarou a escritora Frances FitzGerald, "o livro a gente leva para a cama, mas o CD não".

O hábito da leitura silenciosa teria se popularizado no tempo dos romanos. E, de coisa elitista no século 18 - nenhum gentleman que se prezasse dispensava uma biblioteca em casa com livros belamente encadernados - a artefato cultural com variados significados democratizado no século 19 e beneficiado pelos avanços tecnológicos nos 100 anos seguintes, o livro continua entre nós, presente como nunca, sendo editado aos borbotões, acessível como jamais foi e seduzindo cada vez mais gente.

É sem dúvida um dos mais fiéis companheiros do homem. Quantos de nós não o temos como aliado em noites de insônia, em longas viagens de avião, na simples solidão? Mais do que ler e aprender, ele pode nos ligar com o passado, nos fazer viajar por outros mundos, escapar para novos universos, acender luzes internas. Um bom livro pode nos seguir pela casa, até a cozinha, no banheiro, à mesa de jantar.

Há quem diga que os livros nos escolhem. Nicolas Barker, filho de um professor universitário na Inglaterra e que em pequeno gostava de brincar na Cambridge University Press, conta que, sempre que lhe perguntam se coleciona livros, responde: "Não, os livros é que me colecionam". E mesmo que possa não ser a forma mais agradável de leitura, quem não vai adorar ser dono de uma primeira edição de um livro famoso ou predileto?

A paixão pelo livro tem história. Churchill, quando não tinha tempo para ler, se consolava passando neles a mão, sentindo-os na pele. O escritor A.L. Rowe dizia que a biblioteca de Churchill era "eloquente do homem", seu retrato perfeito, e que é possível "lermos" as pessoas através dos livros que elas leem.

Para muita gente, apenas o fato de possuir livros pode transcender o prazer de lê-los. Cheirá-los pode emocionar. E a arte de certas lombadas e encadernações pode encantar o olhar e o ego de seu dono. O filósofo Walter Benjamin acreditava que os livros têm um sentido simbólico que não depende necessariamente de sua utilidade, apesar de que sua utilidade é o que os torna realmente especiais. Num momento de mudança para uma nova casa, quando desembalava a biblioteca, teria comentado: "Há uma tensão dialética entre a ordem e a desordem".

LIVROS BRANCOS

Arrumar os livros numa estante pode ser de fato um drama na vida dos bibliófilos. Se por assunto, se por ordem alfabética, tamanho, cor, encadernação. É tarefa interessante e delicada para muito decorador. David Hicks dizia gostar de projetos que nunca terminam e que uma biblioteca é justamente isso. Está sempre em mutação. Nos anos 30, a decoradora americana Frances Elkins, para um look de efeito, gostava de encher as bibliotecas com livros brancos. Encapava os volumes de seus clientes com pergaminho, mas deixando, obviamente, uma abertura para os títulos.

Descubro que Keith Richards, dos Rolling Stones, é um apaixonado por leitura: "Depois de uma vida com o pé na estrada, a leitura hoje é o que me ancora". Há também quem declare, como o financista americano Victor Niederhoffer, que seria capaz de passar a vida inteira sem se chatear dentro da biblioteca da própria casa. E é conhecida a história do casal Clinton, que, quando foi morar na Casa Branca, logo notou que havia ali poucas estantes e comentou que, se o problema não fosse remediado, jamais se sentiria em casa na nova morada.

Segundo os aficionados, um dos prazeres do colecionador é encontrar um determinado livro na estante de um sebo ou livraria e "libertá-lo" para uma nova vida e utilidade - ou seja trazê-lo para a sua própria estante. Viver para e entre livros pode ser um prazer. Em Washington, lembro de um enorme galpão dedicado aos bibliófilos, onde era possível encontrar desde capas para proteção da dust jacket em todos os tamanhos possíveis, o sabão correto para a limpeza, esparadrapos especiais, removedores de manchas, antissépticos, cordas, folhas, material para encadernação e o que se puder sonhar para melhor preservar nossos livros.

Talvez pouca gente saiba que o fato de muitas editoras francesas, como a Gallimard, por exemplo, ainda publicarem seus livros com o velho modelo de capa branca, onde apenas o título varia, é porque não abandonaram a tradição de tê-las simples, uma vez que antigamente a maioria dos livros com capa mole seria depois encadernada por quem quisesse preservá-los.

A forma como é tratado, disposto ou manuseado, daria ao livro qualidade humana. Ao acumulá-los, o colecionador compulsivo ou leitor apaixonado acabará, mesmo que sem querer, criando com eles bookscapes, ou seja, pequenas ou grandes paisagens em qualquer canto da casa. Poderão surgir empilhados sobre cadeiras ou bancos, em mesinhas perto da poltrona de leitura, ou da cama, aguardando a vez de serem lidos; no interior de lareiras ou sobre suas bancadas, subindo os degraus das escadas junto à parede, em estantes dividindo ambientes, dentro de cestos, no lavabo e na cozinha. Mesmo que bagunçados ou empoeirados, mal não há de nos causar à vista. Serão sempre uma edificante e prazerosa companhia.